sábado, 15 de dezembro de 2018

Navio Negreiro - Poema de Castro Alves

Banda Devassa - Rio de Janeiro. (Cultura, Esporte e Lazer).


CULTURA...

"O POETA DO POVO"... (Crônica).

"Castro Alves" é o poeta-moleque que nos baticuns deste Brasil permanece vivo na cultura do nosso povo.

De muito fumo do bom e pouco gado era a Fazenda Cabaceiras, no Recôncavo Baiano, em que nasceu, há 171 anos, um dos maiores poetas brasileiros: "Antônio de Castro Alves". Ali ele cresceu, com o apelido de "Secéu", convivendo com a estridente araponga, o chocalheiro de boicininga, o "canto do juriti", o sofrê do sofrer, o papa-mel irara, o bem-te-vi-do-bico-chato ou do gado, as jandaias-de-testa-vermelha e o tapir que se banhava nas águas do Paraguaçu.

E, mais ainda, com o perfume adocicado do manacá, as bagas da murta, a cor branca da madeira de embaúba, o ipê-amarelo ou violeta, com a sombra do pequiá, o suspiro da saudade, a rigidez do pau-d’arco, os espinhos das bromélias, o medo da urtiga, com os jasmineiros-do-mato ou da manga, o cipozal de lianas e o cheiro da baunilha. Jamais a paisagem, os pássaros, os bichos e as plantas abandonariam a sua poesia.

Daí para frente a natureza e sua gente seriam o "canto do poeta".

Porém... os livros de escola mostram um Castro Alves sisudo, serião, com roupas escuras ao lado de algumas poesias abolicionistas. Só... Fica faltando por este tempo afora o verdadeiro Castro Alves: o poeta-moleque que nos baticuns deste Brasil permanece vivo na cultura do nosso povo. Desde o jongo-de-cruzeiro ao caxambu; do miudinho ao samba de enredo; do mineiro-pau ao coco; nas orações do catolicismo popular à liturgia do rogai por nós; nos engorossis dos caboclos ao mote do repente, ou da embolada, ou da porfiada.

É o poeta ontem e hoje. De tempos em tempos, os deuses de plantão e as forças da natureza se juntam para criar um "mortal iluminado", que vem para abrir caminhos, produzir belezas, ensinar e antecipar coisas. Nem sempre esse mortal é um santo; às vezes é um pouco moleque e irreverente. Castro Alves foi um deles. Por onde passava, o poeta arrancava suspiros, risinhos sardônicos e bochichos ao pé do ouvido.

Era um perigo. O moço atrevido adorava estar com todas elas: menina-moça, donzela, mulher solteira, rapariga, mulher dama ou moça velha, não importava. Pelos versos de sua poesia e pelas linhas dos corações apaixonados, desfilaram "Leonídia", "Eugênia", "Sinhazinha Lopes dos Anjos", "Idalina", as irmãs judias "Mary", "Samy" e "Ester"... e "Agnese", (viúva e professora de música de sua irmã Adelaide).

Era a própria personificação do "Boto Tucuxi", só que seduzindo com versos de amor e olhos tristes. Não era para menos que causasse inveja e ciúme entre os homens de sua época. Alguns, é claro, (não todos).

Porque uma parte deles devia imitá-lo para ter sucesso com as mulheres. Não havia um "rabo-de-saia" que ficasse indiferente com a sua encantadora presença ou ao ler suas poesias. Pelo que se saiba nunca fez mal a ninguém.

A beleza do poeta vinha da mãe, "Clélia Brasília".

A impetuosidade, do avô, o "velho Piriquitão". A irreverência e a coragem, ele assimilou de "João José", seu tio, um sargento que chegou a "roubar a urna" que beneficiava o Partido Conservador numa eleição. Acabou preso e mais tarde virou herói por ajudar doentes numa epidemia de peste em Salvador.

Do pai, "Antônio José Alves", um médico de fino trato, ouro de lei, herdou a vaidade de estar sempre bem vestido. Impecável.

Mas era um poeta "sem pataca ou de patacão" e vivia com tostões. Sustentava-se da mesada, bem menor que os dias do mês. Mais de uma vez deixou atrasar o aluguel da pensão em que morava no Recife. O dono da pensão não gostou e o nome de "Castro Alves foi parar no jornal". Não nas colunas sociais e sim com outras letras na coluna de maus pagadores...

"Castro Alves foi um poeta muito próximo do povo". Foi a voz da plebe. O poeta dos versos verdadeiros. Com o cheiro e a cara de um Brasil que nunca tivera uma voz que falasse dos seus anseios. O "escravo de sua poesia"... é na verdade o cidadão excluído do direito de viver e privado da liberdade, como são hoje os boias-frias, os sem-terra, as crianças de rua e os pobres em geral. Foi o poeta da denúncia, das injustiças e não da comiseração e da piedade.

Nos seus poucos anos de vida, o poeta viveu intensamente...

Com 22 anos, num acidente levou um tiro no pé, que teve de ser amputado sem anestesia. Ele, que sabia as letras da dor, da cor e dos rumores, perdeu um pedaço de si, bem ao exemplo do seu poema “Tragédia no Lar”, em que uma mãe "escrava" perde o filho. Arrancaram-lhe o pé, mas não o impossibilitaram de continuar sua caminhada em direção da alma do povo.

Até hoje o poeta é perfeitamente identificado com o povo.
É comum na praça Castro Alves, em Salvador, colocarem nas mãos da estátua do poeta uma garrafa de pinga ou um estandarte de Carnaval ou de campanhas políticas...

É uma entrega, uma oferenda, um gesto de fazer louvação ou de reverência a uma divindade, um santo ou um caboclo ou... "entidade".

Não é preciso saber se pedem licença ou não. Como a praça... "este é o poeta do povo". (Banda Devassa-Rio - 15/12/2018).

Nenhum comentário:

Postar um comentário