Banda Devassa - Rio de Janeiro. (Cultura, Esporte e Lazer).
"AMOR"... (Ensaio - Fevereiro/2013).
>>> “Enamorar-se é criar uma religião cujo deus é falível”.
Essa epígrafe é de autoria de "Jorge Luis Borges", ao comentar o êxtase de Dante diante da visão de Beatriz, no portal do Paraíso, em "A Divina Comédia". Nessa hora, Dante não contava com a companhia de Virgílio (no caso representando sua razão) no périplo em que juntos empreendiam. Se bem entendi Borges, essa tentativa dantesca de encontro num sonho com sua paixão seria para compensar a frustração do relacionamento na sua vida real. Segundo Borges, Dante deu a entender em algum ponto de sua obra, que admitia a união com Beatriz, desde que para sempre, até mesmo em "seu Inferno".
Só esse parágrafo, por si só, bastaria para contar uma bela história de amor! No entanto, andava eu no encalço de "algo de meu", como diria Bandeira. Cogitei inicialmente utilizar a forma epistolar, escrevendo uma carta daquelas bem melosas, ridículas mesmo, como acontece em todos os casos de amor em seus primórdios, durante a fase da paixão. Cheguei a rascunhá-la. Não consegui. A ideia seria entrecortá-la com trechos de um poema de autoria de Alberto de Campos, heterônimo de "Fernando Pessoa", para enfatizar o ridículo da coisa. Talvez, quem sabe, sua beleza. Não tive sucesso no empreendimento. Como era fácil escrever cartas adocicadas de amor quando apaixonado! Porém como o poema é muito bonito, verdadeiro e de fino humor, publico algumas estrofes como Introdução a este texto. Melhor assim! Vamos aos versos do poema:
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas...
...
A vontade de escrever tal carta surgiu quando li uma crônica do "Carlos Heitor Cony" de que gostei muito e que se chamava "Carta Anônima". Nessa última, o autor finge fazer uma (in)confidência a um amigo sobre a infidelidade de sua (dele) mulher. Gostei tanto da crônica que gostaria de escrever algo parecido e aí pensei na tal carta amorosa e que soasse tão falsa como a anônima denúncia do Cony.
A partir daí aconteceram muitas coincidências. A primeira foi comprar um livro de poesias que continha o poema que introduz este texto. Depois, assisti na tevê a uma entrevista do escritor e comentarista literário (como ele gosta de ser chamado) "José Castello". Ele disse que, quando se quer escrever qualquer coisa, o autor geralmente não sabe o que vai acontecer. A partir daí uma série de informações sobre o assunto lhe chega aos borbotões por se achar, logicamente, focado no assunto, bem receptivo. Foi o que aconteceu comigo.
Recebi emprestado de um amigo, sem pedir, um DVD, do filme "Um Homem, Uma Mulher", do "Claude Lelouch", com o "Jean-Louis Trintingnant e Anouk Aimeé". Uma bela história de amor, com idas e vindas, envolvendo belas crianças, belas músicas (inclusive uma brasileira) e um final feliz. Tudo começou assim, como acontece com as gêneses das histórias de amor romântico. Depois vi uma entrevista recente de "Pierre Barouh", com os cabelos brancos de quase octogenário, o tradutor do Samba do Perdão (Saravá), de Vinícius de Moraes e Baden Powel, cantado no filme, e autor da trilha sonora lindíssima (com seu inesquecível refrão: dabadabada, dabadabada). Informação adicional: Anouk Aimeé foi casada com Barouh, com quem contracenou neste filme como um casal.
Nesse ínterim li um artigo (Cai o Pano) com o subtítulo Walmor Chagas e Cacilda Becker, o recente filme Amor e a morte a dois. Walmor suicidou-se recentemente (solidão?) e a Cacilda morreu há tempos, depois de um acidente vaso-cerebral em plena cena de Esperando Godot. Como se sabe, eles foram casados. Imediatamente depois de ler tal artigo sai correndo para ver o filme (Amor). O mesmo ator, Jean-Luis Trintingnant, já octogenário a contracenar com a também idosa Emmanuele Riva, a então jovem atriz de Hiroshima Meu Amor, de Alan Resnais. A personagem feminina também tem um "AVC", o solícito marido passou a atendê-la da melhor maneira possível, mas tudo termina em tragédia: a velhice, a doença, a morte.
Lembrei-me também de uma peça a que assisti no Rio, nos anos 70 ou 80, Isso Devia Ser Proibido, de autoria de Walmor Chagas e Bráulio Pedroso, tendo sido encenada primeiramente pelo casal Walmor e Cacilda em São Paulo sob a direção de Gianni Rato. No Rio estava sendo encenada também por um casal (casados à época) Stepan Nercessian e Camilla Amado. Como o título da peça sugere, a história é sobre a deterioração das relações conjugais de um casal de atores que, por sua vez, encenam o mesmo problema que está se passando com outro casal de atores, também representando a mesma coisa na encenação de sua peça, e mostra a inevitabilidade desses esgarçamentos nas relações entre marido e mulher ao longo do convívio. A peça é um achado: uma peça dentro de uma peça, dentro de outra peça, dentro de outra peça, todas com o mesmo tema, como imagens ao infinito de dois espelhos frente a frente. Isso devia ser proibido, mas a realidade é muito mais forte do que nosso querer voluntarioso.
Agora, o resumo da ópera. A arte, pura ficção, até agora registrada nesses filmes e peças é que representa a pura e dura realidade da vida. O amor, por mais que se tente sua preservação, pela cordialidade, pelo companheirismo e pelo respeito mútuo, o amor em progresso entra sempre em recesso. Com os novos costumes, ao assumir posições mais condizentes com a vida como ela é, aquele velho ditado: “Até que a morte os separe!” está perdendo a validade. Agora prevalece o: “Até que a vida os separe!”. Pior do que isso é o que diz um amigo advogado criticando o ditado político “Quem ama não mata”, contrapondo a isso o seu pensamento jurídico: “Quem ama mata”, mais condizente com os instintos humanos, sem preocupações com o cacófato nem tampouco com os preceitos morais e éticos que não podem ser relaxados.
À procura de uma epígrafe para o para-lamas traseiro deste texto, aqui vai mais uma citação, do filme "Esses Amores", também de Claude Lelouch:
>>> “O amor é uma longa viagem cuja volta é mais cara que a ida”. (Genserico Encarnação Júnior).
Nenhum comentário:
Postar um comentário