ESQUERDA E DIREITA NÃO
SE DEFINEM POR INTERVENÇÃO ESTATAL.
Uma das coisas que muito se fala na internet é que "esquerda" e "direita" se definem pelo tamanho do Estado, ou seja, a esquerda seria mais Estado e direita menos Estado, a esquerda é um Estado forte e intervencionista e a direita um Estado liberal, com pouca ou nenhuma intervenção, especialmente na economia. Em geral, são os "liberais" que dizem isso.
"E nada poderia ser mais falso".
Pra começo de conversa, e como já foi colocado aqui em outros textos, "esquerda e direita" nunca foram noções estanques. Quando esses conceitos nasceram, na "Revolução Francesa", a esquerda era principalmente os burgueses liberais que queriam liberdade econômica, liberdade política e o fim dos "privilégios de nascimento". A esquerda nasceu sob o lema “liberdade, igualdade e fraternidade”. A direita era a nobreza e o clero, os grupos sociais historicamente privilegiados que queriam conservar a ordem social existente - (a sociedade hierárquica do Antigo Regime).
Pouco mais de meio século depois essas noções mudaram em decorrência das "Revoluções de 1848" que novamente tiveram na França seu palco principal. Já livre da sociedade de ordens e com poderes muito maiores, a burguesia liberal foi para a direita do espectro político, enquanto a esquerda foi ocupada por socialistas, comunistas, anarquistas e movimentos trabalhistas.
A partir do final do século 19, os liberais foram cada vez mais para o centro, enquanto nacionalistas e conservadores emergiram como grupos de direita, e socialistas, comunistas e socialdemocratas eram os principais grupos de esquerda.
Como observou "Eric Hobsbawm", o termo “nacionalismo” foi cunhado nos cinquenta anos que precederam a "Primeira Guerra Mundial" e se expressava especialmente na xenofobia política que tinha sua expressão maior no antissemitismo.
A emergência de identidades linguísticas e étnicas, movimentos regionalistas e o surgimento do racismo com capa científica na segunda metade do século 19 deram as colorações ao "nacionalismo" especialmente na França, Itália e Alemanha.
E em todas as suas versões, o nacionalismo se opunha tenazmente aos movimentos proletários e socialistas, especialmente por seu caráter internacionalista.
No período entre guerras, com a emergência do socialismo e da União Soviética, e a crise de 1929 que levou o liberalismo ao descrédito, a extrema-direita ganhou terreno com discursos nacionalistas e ferozmente anticomunistas. Como movimento herdeiro do "Iluminismo", o socialismo se colocava contra desigualdades historicamente sedimentadas e anunciava um futuro de emancipação pela revolução social. O modelo soviético, contudo, impôs como norma a hierarquia e o comando centralizador do "partido", sem, contudo, apelar a outros expedientes de poder.
Já a "extrema-direita", na Itália e Alemanha, reforçava a hegemonia de grupos econômicos e raciais contra a ideologia emancipatória e de "igualdade social das esquerdas". O nazismo e o fascismo, apesar de terem em comum com o socialismo soviético o antiliberalismo e o "forte controle do Estado", reforçavam a naturalidade de desigualdades sociais históricas contra o projeto de revolução mundial do marxismo.
Depois do fim da Segunda Guerra Mundial, com a derrota do "nazi-fascismo" (nacionalistas), a direita política caiu numa espécie de ostracismo em grande parte da Europa. Afinal, ela foi responsável pelo Holocausto, pela guerra, pela carnificina sem precedentes.
Mas isso não quer dizer que desapareceu. A "Espanha de Franco", com traços marcadamente fascistas, sobreviveu até meados da década de 1970 como um regime brutal e repressor responsável pelo desaparecimento de milhões de pessoas.
(E era de direita). Franco ascendeu ao poder após anos de guerra civil cruenta na Espanha e com o apoio militar ostensivo da "Itália de Mussolini" e da "Alemanha de Hitler".
Conforme abordou o historiador "Francisco Romero Salvadó", depois da Guerra a Espanha franquista “era o único Estado cujas origens e natureza estavam diretamente associadas ao derrotado Eixo”. Perseguições políticas, campos de concentração, tribunais militares, tortura, desaparecimento de milhares de inocentes - (ingredientes que faziam parte do cotidiano da URSS stalinista estavam presentes também na Espanha de Franco).
Na América Latina, as ditaduras militares que emergiram em decorrência da "Guerra Fria" eram todos regimes políticos de Estado forte, repressor e… de direita. Entre o final dos anos 1970 e no decorrer dos anos 1980, o liberalismo ressurge no mundo desenvolvido trazendo a velha fórmula de "menos intervenção do Estado na economia".
Essa fórmula havia sido abandonada nos anos 1930 por causa da "crise de 1929" e do modelo keynesiano de planejamento estatal. Algo curioso é que um dos países a adotar a "nova-velha fórmula liberal" (também conhecida como neoliberalismo) foi o Chile de Pinochet, uma das ditaduras mais cruéis da América Latina, cuja ascensão contou com boicotes de industriais e comerciantes contra o governo deposto de "Salvador Allende".
Enquanto o regime militar do Chile torturava e executava opositores, e considerava a Declaração dos Direitos Humanos da ONU um documento comunista, na economia foi o primeiro país da região a implantar o modelo liberal que já vigorava em alguns países desenvolvidos.
No entanto, o crescimento de dez por cento ao ano foi financiado com base em empréstimos de capitais estrangeiros e transformou o país em um dos maiores devedores da América Latina, além de aprofundar os desníveis sociais, com os 20 por cento mais ricos detendo 61 por cento da renda nacional no início dos anos 1990.
A experiência chilena foi uma demonstração de que o liberalismo econômico pode vingar em um Estado autoritário sem ver nisso uma contradição, como o próprio "Milton Friedman" assinalou à época.
>>> "Sempre que a direita política precisou de Estados autoritários não hesitou de legitimá-los".
Apenas nos Estados Unidos o liberalismo ganhou contornos mais voltados ao social através da inclusão de minorias e de uma concepção de justiça social com valorização do papel do Estado e não refratária ao livre mercado, como podemos observar especialmente na obra de "John Rawls".
Hoje, depois do fim da União Soviética e do socialismo real, as noções de direita e esquerda se tornaram tênues e pouco claras. Não deixaram de existir, mas seus conceitos tradicionais se tornaram um tanto obsoletos. De um modo geral, a esquerda ainda valoriza reformas sociais com o objetivo de reduzir o abismo entre capital e trabalho, e a direita seguiu o caminho da deificação do mercado sem dar muita importância a medidas que possam frear seu ímpeto predatório.
Por outro lado, embora o "socialismo revolucionário" tenha desaparecido do horizonte, o "nacionalismo" ainda permanece como uma das grandes forças políticas da atualidade. As guerras nos Bálcans na década de 1990 e recente guerra russa contra a Ucrânia pela região da Crimeia são alguns exemplos de como o nacionalismo ainda fomenta conflitos pelo mundo. Além disso, a "crescente onda imigratória para a Europa" resultante da guerra na Síria tem alimentado no velho continente o sentimento de xenofobia, o separatismo e a atuação de grupos e partidos de extrema-direita.
Mas, DEFINITIVAMENTE, só a concepção de Estado grande não define um governo, uma sociedade, um regime político como esquerda ou direita porque Estados autoritários podem ser um ou outro. Se isso tivesse alguma validade histórica, anarquistas seriam de direita, porque pregam a abolição do Estado e fascistas seriam de esquerda, porque defendem Estado grande. Na verdade, a esquerda historicamente se caracteriza "pela defesa da igualdade social" (e isso inclui os anarquistas) e a direita "pela conservação de privilégios sociais", de hierarquias sociais (e isso inclui os fascistas).
Colocar esses conceitos nesses termos não comporta nenhum juízo de valor, nem mesmo filiação ideológica. É uma questão de compreender historicamente a origem desses conceitos, suas mudanças e nuances em contextos posteriores.
O conflito, que há cem anos redefiniu o mundo, encerrou um período de paz na Europa e seus resultados levaram a um extremismo ideológico nunca antes visto que reverberou para os outros continentes. (Banda Devassa - 29/07/2018).
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