terça-feira, 16 de outubro de 2018

Banda Devassa - "Marina Julia" - Praça Marechal Mauricio Cardoso. Vídeo ...

Banda Devassa - Rio de Janeiro. (Cultura, Esporte e Lazer)


CORAÇÃO "DEVASSIANO"...  

Praticabum. Teco... telecoteco. Lá vem o carnaval. O ritmo do Rio é samba, é marchinha, é sonoridade e saracoteio. Do movimento das ondas do mar, é o andar da mulata suburbana,  ao ondear dos galhos na floresta da Tijuca, tudo é balanço, cadência, malemolência.

Ao longo do ano, sem dúvida, o Rio é sempre carnaval. Porém, a festa se entranha no comedimento do dia-a-dia. Mas, reparando, dá pra ver o balanço do copo de chope na mão do executivo de gravata afrouxada no final da jornada de trabalho; no quadril da professorinha que encara o trem pra dar aulas no subúrbio distante; no baticum da moeda batida pelo trocador de ônibus no ferro do banco ao seu lado; nas melodias (regada a um bom vinho) nos fins de tardes no Baixo-Penha, no ritmo marcado pelo pezinho da gatinha na Praia de Ipanema, com seu iPod de última geração no ouvido.

Há um permanente, subterrâneo, enrustido carnaval no apito cadenciado do guarda de trânsito; no sacolejar das curvas do Metrô; nas perigosas inclinações da moto do entregador serpenteando no trânsito; na movimentação das ondas humanas nas arquibancadas do Maracanã...

Prestem atenção: até as sirenes das ambulâncias do Rio têm um ritmo e uma harmonia carnavalescos, como a zombar alegremente da dor. Talvez haja carnaval até no ra-ta-tá das submetralhadoras empenhadas nas guerras de quadrilha, "carnavalizando a violência" que tanto fere a carne e a alma do Rio.

Isso tudo existe ao longo do ano, pois grande parte da "carioquice" é carnavalesca. Mas no carnaval tudo se explicita, se mostra sem vergonha, revelando ao mundo sempre perplexo e encantado o reinado sem igual de Momo.

Na época de carnaval, parece que um surdo faz a marcação da vida no Rio. Da tela da TV aos barracões das escolas de samba, tudo acontece em torno do carnaval. A preparação da festa, desde vários meses, deixa no ar um clima diferente. Parece que um zum-zum-zum vem se formando durante muito tempo, primeiro num rumor surdo, talvez existente apenas no fundo dos corações dos foliões, depois se impondo e se exibindo, até explodir nos quatro dias de folia.

Claro que o carnaval não é mais o mesmo de ontem, dos tempos ingênuos, das grandes sociedades, dos blocos de rua, dos bondes conduzindo fantasiados, das centenas de bailes de salão. Mudou tudo, como a vida muda inevitavelmente.

Hoje é outro o carnaval, um carnaval-turismo, muito centralizado na passarela do samba. Naqueles poucos metros, para onde se voltam os olhos do mundo, se exibe concentradamente a alma carnavalesca da cidade, embora uma alma encarcerada nos quesitos a avaliar, presa na rigidez das alas de passo marcado, confinada em fantasias pesadas e alegorias imensas e tecnologicamente construídas e controladas, ou envergonhada ao ver o passo desengonçado dos gringos no samba.

Porém, mais uma vez reparando bem, o verdadeiro carnaval do Rio está lá, vibrante, pulsante, sem igual. Está no requebrado da mulata "devassiana", com a sensualidade saindo por todos os poros; ou no ritmo incrível dos pés do passista Vânio da Imperatriz, que desafia as leis da gravidade com um belo sorriso na boca; ou ainda nas mãos calosas que batem surdos, sacodem chocalhos, percutem caixas, fazem vibrar o tarol.

Onde se encontra tanto romantismo, e um jogo tão gostoso de corte e sedução, como na evolução do mestre-sala e da porta-bandeira? Onde se pode ver um mar ondeante de cores tão vibrantes movendo-se ao som de sambas-enredo que fazem cantar milhares de vozes vindas das arquibancadas? Onde se pode achar tanta gente, magnetizada horas e horas, sem cansaço, sem desânimo, vibrando com um desfile tão belo e grandioso?

Vem aí o carnaval. O Rio é festa. É amor de braços abertos para todos, do estrangeiro e do Brasil. É alegria, que se esquece por um breve tempo da miséria, da violência, das podridões políticas, da brava luta pela sobrevivência.

Chegou o carnaval. A alma carioca se manifesta como súdita de Momo. O imenso e amoroso coração do Rio transforma-se num coração-tamborim. (Banda Devassa-Rio. 16/10/2018).

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