"REFLEXÃO NA CELA"... 
As formigas passeando pela barra branca da parede, dão um show de liberdade. Carregando uma mosca morta mostram o quanto é possível realizar no conjunto e na mesma direção. 
As formigas e sua fraqueza individual, elas e sua força coletiva... que pena não serem políticas.
Um guarda passa e examina o cadeado...
As moscas desafiando o "baygon" e zumbindo ora intermitente ora constantemente por sobre a cabeça. Ato exequível do 
pequeno irritando o grande. Irritação que gera violência. 
Providências e mais providências.
Outro guarda passa e pede um cigarro... 
Cansado de observar aquilo e andar pelo retângulo, no pouco espaço que lhe é reservado. Não dá para cansar andando no universo de cinco passos, mas finge que está suando e vai tomar banho para passar o tempo. 
Demora o tempo suficiente para materializar uma cena erótica,
e lá se vai, quem sabe, um engenheiro, advogado ou até mesmo um subversivo...
Um terceiro guarda passa e examina o cadeado... 
Tenta dormir, porque dormindo o tempo não é assistido.
Mas apenas cochila a no cochilo a preguiça dos segundos 
equivale a séculos. Um grito de alguém chamando o sentinela desperta o sono, que não foi mesmo assassinado pelo personagem de Shakespeare. Só uma reforma no calendário gregoriano. 
Um guarda chega e olha desconfiado...
Gostaria de sonhar com uma estrada tipo aquela "ponte do bem" de Zoroastro. Estreita como o presente mas muito larga no futuro. Se houvesse pelo menos uma vitrola...
Apitos de guardas que se aproximam...
Toca a sirene do rancho. Comer é um sacrifício.
Com exceção dos cozidos de muriú, tapiocas de Cajuais
ou queijo dos Três Irmãos.
Como seria bom envelhecer dois anos.
Um guarda pede um saco para esconder pães roubados...
O entardecer é triste e idiota. Triste pelas lembranças 
que provoca, idiota pela vontade de fazer versos. 
O anoitecer é a fossa e insônia. Tem-se de acreditar no consolo de "Stefan Zweig" ou "Francisco Otaviano". 
As moscas são substituídas pelos pernilongos e muda o som da orquestra de zumbido. O livro fica sempre em movimento para alcançar as réstias que driblam as grades.
A lâmpada fica no corredor a critério do sentinela da hora. 
Tudo aqui é externo, menos as pessoas. 
Outro guarda bate forte a coronha no cimento...
Uma zoada infernal, depois... "um silêncio de estourar os ouvidos".
A conversa entre dois sentinelas, o manejar dos fuzis e o silêncio de volta. A espera inútil de um novo dia...
Inútil porque aqui todos os dias são velhos...
Nenhum guarda passa mais !!!!
(Banda Devassa - Rio - 25/11/2018).
 
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